segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Coração de papelão


Devido a minha falta de tempo, deixo mais um poema de minha autoria para manter o blog em movimento. Este poema, um dos meus prediletos, mostra que nunca devemos deixar de lado a criança que há dentro de cada um de nós, pois é esta criança que traz significado e entusiasmo pela existência. E lembre-se sempre de que o mais infantil dos adultos é aquele que ignora a criança que há dentro de si, afinal, a infância é só uma fase, mas ser criança é algo eterno.


Coração de Papelão

É divertido ser criança
Com um pedaço de papelão
E uma tesoura que alcança
A forma que nasce no coração.

É engraçado ser criança
Quando o amor é confiança,
Quando um sorriso é esperança
E quando a saudade é uma lembrança.

É triste deixar de ser criança
Quando o amor vira esperança,
Quando o sorriso é uma lembrança
E quando há saudade da confiança.

Quando o resquício da solidão
Bate à porta do coração
Há a triste sensação
De que o mundo é de papelão.

O segredo dessa lição
É ter uma criança no coração.
Basta ter uma tesoura na mão
E um sonho na imaginação.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Ser criança em 1994


Há 20 primaveras atrás chegava ao fim um dos anos mais divertidos e importantes da década de 1990, que foi o "anão" (ou seria anaço?) de 1994. Quem foi criança nesse ano certamente deve ter tido muitos motivos para não ter se esquecido dele - isso tanto é verdade que eu tive que dedicar um post inteiro só para falar sobre ele.

Pois bem, eu comecei o ano de 1994 com 10 anos de idade e o fechei com 11, portanto, esse ano marcou praticamente o início do fim da minha inesquecível infância. A transição da infância para a adolescência começou a se dar nessa época para mim. Isso, por si só, ajudou a tornar o ano de 1994 mais relevante para mim - mas para esse ano ter sido tão especial, muito mais precisou ocorrer durante os seus 365 dias. Para começo de história, vimos o controle da inflação no país com a chegada do Plano Real no Governo Itamar Franco. Isso mudou radicalmente a forma com que víamos o dinheiro. A nossa mesada passou a ter um valor estável e passamos a viver numa das eras de maior estabilidade econômica do país.
Porém, nem tudo foram flores, pois tivemos a morte do ídolo Ayrton Senna, que foi homenageado posteriormente pelos jogadores da seleção brasileira ao conquistar o tetracampeonato de futebol. E falando em futebol, o Brasil finalmente havia vencido uma Copa após 24 longos anos de jejum. A festa pelo título foi inédita para muita gente e aumentou ainda mais a euforia pelo esporte, pelo menos para mim. Foi a partir de 1994 que eu comecei a me interessar de verdade por futebol e comecei a jogar futebol de botão, a jogar pelada na escola, a colecionar álbuns de figurinha e a acompanhar os campeonatos nacionais com mais atenção.
Tivemos também a eleição presidencial, onde FHC venceu no primeiro turno e conhecemos um tal de Eneas, candidato que ganhou milhões de votos apenas falando o próprio nome na televisão.


Quem foi criança nesse ano também teve muito o que assistir, como a estreia dos Cavaleiros do Zodíacos na TV Manchete, a TV Colosso e o clássico eterno da Disney: O Rei Leão. Brinquedos, jogos e videogames também faziam sucesso mais ou menos na mesma proporção. Naquela época, as crianças ainda tinham vontade de ter um Super Nintendo e um brinquedo não eletrônico, como um autorama, por exemplo - diferentemente de hoje, onde os aparelhos eletrônicos jogaram para escanteio brinquedos como Lego, Playmobil, Comandos em Ação e Barbie. E falando em videogames, games como Sonic 3 & Knuckles, Donkey Kong Country, Doom 2, Warcraft, Streets of Rage 3, Mortal Kombat 2, King of Fighter '94 e Killer Instinct foram lançados também neste mesmo ano, sendo imortalizados décadas depois. Os computadores pessoais estavam começando a se tornar acessíveis para a classe média e a internet estava começando a dar os seus primeiros passos importantes no Brasil.


Em 1994 também tivemos outras coisas bacanas, como aquele comercial da Sadia de 50 anos, os comerciais toscos do Tele Amizade, as Olimpíadas do Faustão e a estreia de filmes como O Máscara e Debi & Loide, que fizeram a alegria da criançada. Enfim, 1994 foi um ano inesquecível. E como não podemos voltar no tempo para reviver aquela época incrível, nos restam as histórias e a saudade que aquele ano deixou.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Reflexões sobre a guerra 3 - A Última Noite de um Homem


Para terminar a trilogia das minhas poesias sobre a guerra, apresento então o poema A Última Noite de um Homem. Talvez este poema - escrito em versos brancos e livres - seja o mais profundo de todos por mostrar como uma guerra destrói o lado humano das pessoas e também como, antagonicamente, o amor é único sentimento capaz de nos ressuscitar da nossa 'morte em vida'. Assim como os outros poemas, ele é um protesto contra a violência e ao mesmo tempo uma forma de dizer que a felicidade pode estar nos pequenos gestos, especialmente naqueles que menos prestamos atenção.
Boa leitura.


A Última Noite de um Homem

Era noite.
A cortina de vapor
Descobria sensualmente
A lua cheia no céu.
Os olhos da minha mulher amada
Reluziam incessantemente
E os nossos lábios se tocaram
Como se fosse a última vez.
Transcendíamos ao infinito
Cobertos por um manto de ternura
Que enlaçava nossas almas,
Equilibrando a mais sublime
Equação do amor.

Durante a despedida eu notei
Que suas lágrimas eram como
Cascatas abundantes
De uma fonte interminável
Que percorria os rios da alma.
Tantas promessas, tantos sonhos,
Tantas juras de amor em vão...
Aos prantos
Ela suplicava por uma promessa
Eu somente lhe disse:
- Adeus, querida.
Acho que, naquele instante,
Eu havia a perdido para sempre.

Quepe, farda e fuzil.
Em marcha deixei minha pátria,
Vendo a mesma despedida se repetir
Entre meus valentes irmãos
Que choravam sob o hino nacional.

Diante de um estandarte hasteado
Juramos honrar
As lágrimas dos heróis patriotas.

Dias após,
Meus pés pisavam em terras frias.
Um calafrio de medo e insegurança
Era trazido pela brisa crua e gelada.
Diante daquela atmosfera de chumbo,
Meus olhos relatavam
A mais pura selvageria do mundo.
Cadáveres estraçalhados
Saltavam entre os escombros
E trincheiras de corpos humanos
Denotavam  o ar necrótico
Daquele ambiente repugnante.

A carnificina já durava dias
E meu corpo implorava
Por um longo descanso.
Cadáveres desmembrados,
Carbonizados e desfigurados
Eram empurrados em sacos pretos.
Médicos suturavam feridas horrendas,
Fuçando o nauseante acampamento
Atrás da escassa morfina.

Tínhamos algumas míseras horas
Para tentar dormir.
Quando tentávamos, não conseguíamos
E quando pensávamos ter conseguido,
O pesadelo nos perseguia.

Nossa única refeição do dia
Era uma insípida ração enlatada
Ou uma carne crua que fedia
Mais que o perfume dos defuntos.

Aqui, nesse inferno,
A saciedade
Era uma sensação desconhecida.
Além de toda dor e desconforto,
Ainda tinha que aturar
As ordens do sargento mandão
E de todos que o sobrepujavam.

Esses animais desumanos
Tratavam as mulheres da pátria alheia
Como se fossem cadelas vira-latas.
Eles riam como hienas pervertidas
De suas monstruosidades.

Ah! Há quanto tempo
Não sinto o calor de uma cama.
Um dia achei um colchão velho
E lembrei da minha querida mulher...
Como as coisas teriam sido diferentes
Se eu não tivesse me alistado.

Diante de todo horror e brutalidade,
Minha única certeza
É de que não existia felicidade
E que esse mundo era um inferno
Cheio de ódio e desgraças.
O ser humano era um câncer
De si mesmo.

Sem ver mais moral ou ética
Não tive mais discernimento
Para diferenciar
O certo do errado.
Tudo que aprendi de certo
Era errado
E tudo que julgava ser errado
Era a própria lei.

Já na iminência da insanidade,
Fui metamorfoseado numa pedra.
Tornei-me duro e frio
Como uma máquina de matar.
Não tinha mais sentimentos.
Não conseguia mais sentir
Ódio dos meus inimigos,
Nem compaixão
Pelas crianças mutiladas.
E no meio desse estado de demência,
Sentia como se tudo ao meu redor
Estivesse me dando adeus.

Em mais uma incursão
Eu sentia novamente
Que o fim não parecia distante.
Eu juro que vi a morte
Em vários lugares,
Vinda de várias direções.
Mas armei-me de bravura ao lembrar
Que deveríamos honrar nossas fardas,
Nossa pátria
E nossos generais.

No meio da fuzilaria sem fim
Eu tropeçava horrorizado
Nos meus colegas trucidados.
Eles caiam um a um
Em um massacre implacável.

O cheiro de carne queimada e os gritos de horror
Deixavam-me atônito.
E, em meio ao inexaurível desfile
De projéteis no ar,
Um metal incandescente
Atravessou a minha carne.

Quando vi meu tórax ensangüentado
Já nem sentia mais dor.
Caído no chão
Como um porco abatido,
Eu olhava para a lua reluzente no céu.
Ela brilhava soberana
Como na última noite
Que estive com a minha querida.
Eu não mais ouvia
O que os meus colegas diziam
E então fechei os olhos
E tive um belo sonho.

Em uma linda noite,
Eu valsava com a minha querida
Ao som de uma alegre
Seresta de amor.
Eu via a lua brilhar
Via também homens, mulheres,
Velhos e crianças,
Todos sorrindo felizes
Num imenso salão.
Então ali tive todo tempo do mundo
Para dizer tudo que eu sempre quis
À minha adorável mulher.

Eu lhe disse umas palavras doces
E entreguei-lhe uma bela rosa
Que brotava num canteiro, dizendo:
- Eu te amo, querida.

Foi ali que percebi
Que a vida pode ser bela
E que existem, apesar de tudo,
Sentimentos generosos
De bondade e respeito
Que engrandecem os homens.

Sei que não posso voltar no tempo
E sinto que a chama da minha vida
Está prestes a se apagar.
Mas aqui, no meu leito de morte,
Aprendi a lição que tanto teimei
Em não aprender.
A valorizar os pequenos detalhes
E cada precioso instante
Que a vida nos oferece.

Descobri que a beleza da vida
Está nos gestos mais simples,
Seja num pedido sincero de desculpa,
No sorriso de uma criança
Ou nas lágrimas de felicidade
De uma mãe que vê seu filho nascer.
Também aprendi
A não ver mais a felicidade
Como a sombra de uma utopia.

Abri meus olhos mais uma vez
E vi a lua se apagar aos poucos,
Mas eu estava realizado em saber
O quanto a vida é bela.


A seguir, os links para os demais posts dessa série de poemas sobre a guerra:

Reflexões sobre a guerra 1 - Memórias de um sobrevivente
Reflexões sobre a guerra 2 - Diário de Guerra
Reflexões sobre a guerra 3 - A Última Noite de um Homem

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Reflexões sobre a guerra 2 - Diário de Guerra


Continuando a trilogia de poemas que escrevi sobre a guerra, segue o segundo deles, chamado Diário de Guerra. Similar ao primeiro, ele conta em primeira pessoa o ponto de vista de um combatente que relata a angústia de sobreviver aos horrores de um conflito.


Diário de Guerra

A tomada foi perfeita.
Tivemos algumas baixas,
Mas o território está dominado.
Antes de partimos para o próximo,
Tomaremos nossas anfetaminas
E engoliremos nossa ração.

Que saudades do papai,
Das histórias que o vovô contava,
Da torta de ameixa da vovó
E dos carinhos da mamãe.
Também sinto saudades
Do meu lar, das minhas coisas,
Dos meus amigos...da minha vida.

Estou cansado, com sono e com frio
E temos que partir amanhã cedo.
Odeio esta maldita guerra!
Odeio mesmo! Odeio tudo!
Quero voltar para casa
Ou morrer logo de uma vez.

Foi uma batalha difícil.
Perdi muitos companheiros
E outros tantos estão mutilados.
A morfina não acabará
Com a nossa dor.
As feridas talvez nunca fechem
E talvez nunca mais eu seja o mesmo.

Há meses não sei o que é conforto
Nem o que é prazer.
Às vezes sinto uma solidão tão profunda
Quanto o vazio em meu coração.

O cheiro aterrorizante da morte
Exala de todos os cantos.
A cada explosão
Vidas se vão,
Ecoando o terror
De um mundo sem amor.
Sei que é triste dizer, mas
Os mortos são os únicos privilegiados.

Por que tudo isso?
Para quê matar?
Aquele homem poderia ser meu amigo,
Poderia ter uma família, um sonho...
Bobagem! Não! Não!
Não sei mais o que é certo ou errado.
Este não é meu lugar.

A face descarnada do cadáver
Revela a angústia desse pesadelo.
Matar é meu dever
E morrer é o meu destino.

Cansei desses espinhos no meu rosto
E dessas bolhas nos meus pés.
Meu ombro é um hematoma só
E esse lugar maldito
É a prova de que o inferno existe.

Estamos a caminho da batalha decisiva
Não sei se sobreviverei dessa vez.
Queria acreditar que Deus existe
E pensar algo de bom.
Os rifles estão engatilhados
É hora de honrar a farda novamente...


A seguir, os links para os demais posts dessa série de poemas sobre a guerra:

Reflexões sobre a guerra 1 - Memórias de um sobrevivente
Reflexões sobre a guerra 2 - Diário de Guerra
Reflexões sobre a guerra 3 - A Última Noite de um Homem

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Reflexões sobre a guerra 1 - Memórias de um sobrevivente


Não acredito em reencarnação, mas, se de fato ela existir, tenho a impressão que já fui um soldado que combateu em alguma guerra no passado. Afirmo isso porque sempre tive, desde criança, uns déjà vus inexplicáveis envolvendo cenas de guerra. Entretanto, independentemente desses déjà vus bélicos serem algo espiritual ou mera alucinação do meu cérebro, eles acabaram me servindo de inspiração para escrever diversos poemas sobre o assunto. O interessante é que muitos desses meus poemas relatam justamente o sentimento de angústia e mal-estar que me assolavam quando eu tinha esses estranhos déjà vus. O ponto em comum entre todos os poemas que escrevi sobre este tema está no fato de que a guerra sempre é vista como uma das invenções mais estúpidas da raça humana, porque numa guerra nunca há vencedores: todos saem perdendo. Talvez daí tenha nascido a minha postura pacifista e diplomata que carrego até hoje com tanta convicção.

Enfim, ao invés de escrever um post com minhas reflexões pessoais sobre a guerra, eu preferi publicar três dos meus melhores poemas sobre o assunto, cada um em um post, onde eu tento mostrar porque a diplomacia é sempre melhor que a guerra. O primeiro desses poemas chama-se Memórias de um Sobrevivente. Ele, assim como os demais, é fictício e relativamente extenso, mas é um poema conciso, escrito quase em prosa, relatando o ponto de vista de um combatente que deixou as suas recordações escritas num diário. O poema segue em azul abaixo. Para os que curtem poesia, boa leitura.


Memórias de um Sobrevivente

Não sei se um dia
Alguém lerá este diário,
Mas se alguém o encontrar
E conseguir entender
Minhas letras rabiscadas,
Peço para que ensinem a seus filhos
A nunca promoverem uma guerra,
Porque ela destrói
Aquilo de mais belo que Deus criou:
A vida.

Em um dia qualquer
Durante a campanha de nossas tropas,
Encontrei este caderno entre os escombros.
Então eu o tomei como um diário
Logo ele acabou se tornando um amigo,
O único com quem eu podia
Desabafar e dividir as minhas angústias.

Eu não me recordo bem como foram
Meus primeiros dias nesse conflito.
Lembro, apenas, que no começo
Eu sentia um mal-estar constante.
Lembro que eu vomitava
Sobre os pedaços de seres humanos
Espalhados em mares de sangue sem fim.
Agora, não.
As náuseas se foram
Junto com o lado humano
Que acho que ainda havia dentro de mim.
Descobri sem querer
Que a raiva é mais útil que o desespero.

Há uns cinco dias foi terrível.
Eu estava queimando de febre
Em plena frente de combate.
E aquela chuva gelada
Mais parecia chumbo derretido
Salpicando nas minhas costas.
E para piorar,
É que entre o ruim e o pior,
O pior sempre acabava acontecendo.

Bah! Vida maldita!
Será que esse sofrimento tem fim?
Eu me pergunto todos os dias
Quanto tempo mais
Ainda posso agüentar esse tormento.

Acho que desaprendi a sorrir.
No começo a gente sente muito ódio,
Depois, muita depressão.
E se a morte não nos pegar,
Esse ciclo fica se repetindo:
Ódio, depressão, ódio, depressão...

Por quê?
Por que quando as coisas
Mais precisam dar certo,
Elas sempre dão errado?
Estou exausto
De ver tantas pessoas mortas,
Tantos corpos empilhados
E tanto sangue derramado.
Se Deus deu inteligência ao homem,
Então como explicar esse genocídio?
Eu queria entender o sentido da vida,
Se é que a vida tem algum sentido.

Ontem fiz aniversário,
Mas ninguém sabe,
Ninguém quis saber,
E eu nem sei por que
Estou pensando nessa idiotice.
O que querer?
Presentes? Parabéns? Felicitações?
A felicidade é uma palavra extinta
Do meu desenxabido vocabulário.

Eu não consigo me sentir mais humano.
Às vezes não consigo
Nem mesmo me sentir vivo.
E o maior paradoxo é esse:
É que mesmo vivo,
Eu me sinto morto.

Desde pequeno eu aprendi
Que os homens não choram,
Mas quando eu me sinto
Um animal desolado,
Minha fraqueza se torna mais forte.
Penso até que isso seja bom,
Pois as lágrimas fazem
Com que eu me sinta mais humano.

Não há nada bonito ou construtivo
Em uma guerra.
Aqui estamos sempre no limite
Físico e psicológico,
Sentindo-nos um farrapo
Imundo, ferido, esfomeado e cansado.
E quando os nossos limites
São ultrapassados,
Aí vem a loucura.
Por isso,
Muitos dos meus compatriotas
Estavam enlouquecendo.
E eu também, eu acho.

Certo dia, quando eu estava estourando
As bolhas dos meus calcanhares,
Tive a nítida impressão
De ter escutado a voz da minha mãe
Chamando o meu nome.
A parte mais difícil para um combatente
É a de tentar manter a sanidade mental.

Vez por outra,
Nos raros momentos de descanso,
Converso umas bobagens
Com alguns colegas
E noto que a frivolidade
Diminui o medo e a ansiedade,
Mas não traz conforto ou prazer.
Aliás, o prazer é uma sensação distante
Que se limita a uma tragada
Num cigarro sem marca.

Eu não tenho medo de morrer.
A morte não é uma preocupação,
A morte é um conforto.
Todo mundo tem que morrer um dia,
É por isso que eu não ligo para morte.
Pelo menos eu vou morrer
Fazendo a coisa certa,
Acreditando em algum ideal
E defendendo a minha pátria.
Se bem que eu não gostaria de morrer
Sem ter feito tudo que gostaria na vida.

Só queria pensar que tudo isso acabou
E voltar de vez para casa.
O que eu mais queria agora?
Era ter coragem de me olhar no espelho,
Comer uns cinqüenta quilos de chocolate,
Dormir por três meses seguidos,
Passar o dia inteiro relembrando
O doce prazer de amar
E olhar para as estrelas cadentes no céu
Sem pensar que são balas traçantes.

Eu imagino quantas famílias
Já perderam seus entes queridos
E o que todos nós temos a ganhar
Com os frutos podres dessa guerra.
Eu me sinto um mero peão
Avançando cegamente num tabuleiro,
Esperando bravamente a próxima ordem,
Seja para matar ou para morrer.

Acho que a cena mais dura
Que presenciei nesse conflito
Foi quando vi os civis
Investindo contra nós.
Eu não estava preparado
Para matar crianças.
Mas o que está em jogo aqui
Não é o preparo, é a sobrevivência.
Antes de sermos soldados
Somos, sobretudo, seres humanos.

Todos os dias peço perdão a Deus
Por ter sido tão atroz
Mas era esse o meu dever.
Ainda que a culpa pese uma tonelada
Tenho de ser leal ao meu brasão.

A missão final da nossa tropa
Foi de proteger a fronteira.
Embora tivéssemos uma base forte,
Temíamos que nossos inimigos
Usassem armas químicas.
Eu só pensava na minha mãe
E nos cuidados e nos carinhos
Que ela tinha por mim.
Eu só queria abraçar a mamãe
Mais uma vez
E dizê-la o quanto
Ela foi importante para mim.

Aquela última batalha foi a mais sangrenta
Que presenciei em toda a guerra.
Os inimigos nos atacavam por todos os lados
Com tanques blindados, artilharia pesada 
E uma poderosa infantaria motorizada.
Saraivadas de tiros e explosões delirantes
Tornavam tudo confuso e sem sentido.
Lembro de sentir minha farda encharcada,
De tanto sangue alheio que jorrava.

Os gritos aterrorizantes
E todas aquelas vísceras expostas
Chegavam a dar tontura.
E acho que foi numa dessas
Que algo explodiu perto de mim.

Quando acordei na enfermaria
Não sentia mais minhas pernas
Nem entendia de onde vinha
Aquele zumbido alto nos meus ouvidos.
Quando devolveram o meu diário
Eu logo voltei a escrever
Sobre as pautas ensangüentadas
Tudo aquilo que ainda me recordava.

...

Essa guerra terminou,
Mas muitas outras continuam
E muitas outras ainda virão.
Mesmo com o fim da guerra,
Eu guardei comigo, por todos esses anos,
Este meu velho diário.
Escondi o caderno numa gaveta
Por não sentir mais vontade de escrever.
Mas um dia pensei em deixar um recado
Para as futuras gerações.
Com o meu velho diário de volta à mão,
Eu decidi terminá-lo de escrever.

Como sobrevivente,
Hoje eu posso dizer que
Ninguém, jamais,
Volta vivo de uma guerra.
Ou você volta morto de corpo,
Ou você volta morto de alma.
E não estou falando isso
Só por ter perdido as minhas pernas
E a minha audição.
Mas por ter perdido a vontade de viver.

Alguns sobreviventes
Têm a sorte de renascer
Eu acho que morri e renasci
Por várias vezes.
E não foi só naquela guerra.
É como se cada dia da minha vida
Fosse uma nova chance que Deus me dá
Para que eu possa renascer
E buscar o meu melhor.

A cura para guerra é o amor.
Foi ele que me fez renascer
Por todas essas vezes.
Não sei se posso
Generalizar isso para todos,
Mas foi assim que aprendi
Que um gesto de perdão
Pode funcionar melhor
Que um tiro de fuzil.
- Muita paz em vossos corações.

A seguir, os links para os demais posts dessa série de poemas sobre a guerra:

Reflexões sobre a guerra 1 - Memórias de um sobrevivente
Reflexões sobre a guerra 2 - Diário de Guerra
Reflexões sobre a guerra 3 - A Última Noite de um Homem

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Qual era a verdadeira face de Jesus?


Numa pesquisa rápida de imagens no Google, eu fui buscar uma "foto" do rosto de Jesus Cristo para ilustrar um post, porém, me deparei com uma quantidade tão grande de rostos diferentes da mesma pessoa, que fiquei em dúvida sobre qual deles representa o verdadeiro Jesus. É impressionante como o semblante de Jesus varia de uma representação para a outra. Em umas imagens ele aparece loiro com olhos azuis, em outras aparece moreno com olhos e cabelos castanhos e em algumas outras aparece de forma totalmente diferente. O que me deixa curioso com relação a isso é sobre como os fiéis vão fazer para reconhecer o verdadeiro Jesus no Juízo Final, já que o retrato falado dele difere radicalmente de uma imagem para outra. Afinal, será que existe algum meio de reconhecê-lo?

Black Jesus: Por que não?

Todos nós sabemos que não existem fotografias de Jesus, o máximo que nos aproximamos da imagem supostamente real do Salvador é a do Santo Sudário, que teve sua autenticidade contestada até mesmo pelos próprios cristãos. Então, no fim das contas, nenhuma imagem é fiel, porque Jesus certamente deve ter sido muito diferente fisicamente da imagem europeizada que deram a ele nas pinturas, nas esculturas e nos vitrais das catedrais. Isso, apesar de parecer uma bobagem, leva a dilemas raciais, porque se Jesus tivesse traços orientais, por exemplo, certamente criaria um choque cultural com o ocidente. Imagino o tamanho da decepção de um fiel europeu ao se deparar com um Jesus negro...


Eu acredito na existência de um Jesus histórico, sem qualquer ligação divina ou envolvimento com religiões. Há quem acredite que ele nunca existiu, mas existem evidências históricas mais ou menos confiáveis que apontam a existência de um homem chamado Yeshua, que teve uma grande influência política na mesma região e na mesma época que o Jesus bíblico viveu. O fato é que nós nunca saberemos qual foi a verdadeira face de Jesus (ou Yeshua). Azar dos crentes, porque se um pseudo Jesus especialista em ilusionismo der uma de profeta, muita gente vai acreditar que Jesus realmente voltou. Ô, coitados!

Prove agora que ele não é a cara de Jesus!