sexta-feira, 27 de maio de 2016

A cultura do estupro e os extremos da ferradura


Qualquer pessoa que não viva em outro planeta já deve estar sabendo do caso chocante da garota de 17 anos que foi estuprada por 33 homens no Rio de Janeiro. Desnecessário comentar que tal ato de selvageria é absolutamente hediondo. E como se isso por si só já não chocasse o suficiente, diante da certeza da impunidade, alguns dos estupradores não hesitaram em mostrar o próprio rosto no vídeo e em debochar da vítima: fato este que mostra que as nossas leis ainda são "leis para inglês ver". Mas o mais grave de tudo isso é a famigerada cultura do estupro que se mostra cada vez mais descarada. Como é possível que três dezenas de homens tenham agido em comum acordo sem que houvesse uma cumplicidade, ou um vínculo, sociocultural poderoso entre os mesmos para que realizassem tal barbárie? Será que nenhum deles sabia que estupro é crime? É muito improvável que todos os 33 fossem meros doentes, tendo em vista que a maioria dos estupros é cometida por homens "de bem", homens "comuns" e sem nenhuma "doença" ou traço de psicopatia. A relativização do estupro, da violência contra a mulher e do feminicídio – como estamos testemunhando – é algo que possui forte componente cultural.
A tolerância que muitos homens aprenderam a ter diante da violência contra a mulher faz parte de uma cultura carregada de misoginia, machismo e total falta de empatia. Isso só não é evidente para os que acham que o problema do estupro se resolve na bala, na violência e na castração. Nos países onde há mais igualdade entre homens e mulheres e, consequentemente, menos misoginia, os índices de violência contra as pessoas do sexo feminino são muito menores que por aqui. E isso não ocorre porque cada mulher anda com um AK-47 debaixo do braço nesses países, mas sim porque a cultura deles é mais igualitária e humana que a nossa. Cultura do estupro se combate no campo sociocultural, e não com violência física. Violência só gera mais violência e desejo de vingança. O feminismo, apesar de todos os seus defeitos, ainda é o melhor remédio para combater e prevenir que mais mulheres sofram atrocidades como essas que ilustram diariamente as páginas policiais.


No meio dessa atmosfera de pânico que foi gerada pela cultura da banalização do estupro, surgem pseudo intelectuais na internet se sentindo no direito de culpar as vítimas com os velhos argumentos misóginos de sempre, tais como: "ela estava com roupas curtas", "ela provocou", "ela é uma vagabunda" e coisas do tipo. Hoje se sabe que o estuprador não liga para vestes, para aparência ou para sensualidade da vítima. O homem que ataca sexualmente uma mulher age dessa maneira para impor medo e poder.  Estupro não é sobre sexo: é sobre poder e ódio – ódio pelas mulheres. Os que acham que o estuprador é apenas um "pobre coitado" que não soube controlar seus impulsos sexuais, ou é ingênuo, ou é mal caráter. A ideia que se construiu de inferioridade, fragilidade e culpabilização acerca das mulheres é o velho motor do machismo que culpa a mulher pelas desgraças do mundo desde tempos imemoriais.

Leandro Karnal explica o porquê da misoginia (clique para ampliar)

A Teoria da Ferradura na prática
Outro aspecto que tem me chamado atenção são as soluções bizarras encontradas pelos extremos da ferradura: os reacionários extremistas e os progressistas extremistas. De um lado, temos um pessoal que defende castração química, pena de morte para estupradores e que nega a cultura do estupro. Do outro lado, temos um pessoal que trata todo homem como estuprador em potencial e acha que os homens são o grande mal da humanidade, merecendo até mesmo campos de concentração especialmente para eles. Seria mais ou menos como um duelo ideológico entre Jair Bolsonaro e Valerie Solanas, onde nenhum lado foca no que realmente causa essa situação, ou seja: a cultura sexista, a impunidade e a insegurança do homem tradicional. A direita, com sua visão individualista da sociedade, acha que o estupro é um problema isolado, de alguns poucos homens doentes. Já a esquerda, com a sua mania de coletivização, acha que o problema é que os homens como "classe" são estupradores. Não sei qual visão consegue ser pior, só sei que ambas são burras e ineficazes por serem simplistas e extremistas. O problema, reitero, está na cultura, no machismo, na impunidade e na nossa mania paleolítica de achar que a violência é a solução para tudo.

Eis os extremos da ferradura

Para concluir, um vídeo educativo para os homens:


2 comentários:

  1. e realmente todo pai conservador ensina seu filho a como estuprar uma menina com seus amigos traficantes de morro.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não é "ensinar a estuprar" que é o problema. O problema aqui é se omitir em educar seus filhos homens a NÃO estuprarem. Será que todo pai conservador ensina seu filho a não ser um estuprador e que precisamos combater a cultura do estupro? Duvido.

      Excluir