segunda-feira, 25 de julho de 2016

O debate político precisa ir além da escola


Certo dia, eu estava assistindo a um debate entre o filósofo Luis Felipe Pondé e o historiador Leandro Karnal e fiquei maravilhado em como é didático presenciar pessoas inteligentes que pensam diferente de mim em uma conversa saudável. Eu discordei da opinião de ambos em vários momentos, especialmente as do Pondé, mas a forma elegante e concisa com que eles apresentaram seus pontos de vista me levaram a conclusão que é muito mais enriquecedor trocar ideias com pessoas que pensam diferente de mim. As ideias diferentes colocadas sob pontos de vista diferentes do que estamos habituados nos trás empatia, amadurecimento, crescimento intelectual e sabedoria. Conviver e dialogar com quem pensa diferente de nós é que nos permite abrir a mente e lapidar melhor os nossos próprios conceitos. Mesmo um pensador de direita, como é o caso do Pondé, me fez respeitar a sua opinião, apesar de discordar que ela seja a melhor alternativa. A inteligência, a concisão e a honestidade intelectual merecem sempre ser elogiadas.

Precisamos elevar o debate político a outro nível

Colocada essa pequena  introdução, quero que fique claro que não sou nem pró e nem contra o capitalismo, apesar de saber de suas mazelas naturais. Não existe nenhum sistema político ou econômico perfeito e todos eles são passíveis de críticas. Ademais, para quem não sabe, sou um social democrata, um simpatizante do keynesianismo e não tenho como objetivo – como alguns injustamente me acusam – de  transformar o Brasil em Cuba. Creio que seja mais prático e menos radical reformar o capitalismo para minimizar seus problemas do que investir numa guinada radical ao socialismo. Discordo inteiramente dos idólatras políticos, sejam eles partidários do socialismo ou do capitalismo. Pena que no Brasil as pessoas têm tratado a política como sendo um misto do que há de pior entre religião e futebol – o que mostra o nosso despreparo para o debate e o nosso pouco apreço à democracia.
Um exemplo do nosso despreparo para o debate político foi quando um colega meu me mostrou um link onde havia uma prova forçada da "doutrinação marxista" nas escolas. A suposta prova foi que uma menina levou zero numa questão por ter defendido o capitalismo ao invés de concordar com o professor "comunista" que o capitalismo é excludente. O link desta notícia segue aqui, para quem quiser ver com os próprios olhos.
A seguir, vou deixar a pergunta da questão e a resposta da menina:



Se o caro leitor tiver se dado ao trabalho de ter lido a questão, o que ocorreu não pode ser chamado de "doutrinação". A questão pediu para que o aluno interpretasse o texto entre aspas, mas o que aluna fez foi dar a sua opinião. O que estava em questão não é se o capitalismo é ou não excludente na sua opinião, mas sim trazer o aluno a uma reflexão a partir da interpretação do texto. Se "só sobrevive quem tem competência", isso naturalmente é um caso, sim, de exclusão, pois os que não têm a tal competência consequentemente não sobrevivem. Não concordei com o termo "imoral" antes de "exclusão", porque a moral é sempre subjetiva, mas não há erro no que se diz respeito à exclusão gerada por sistemas competitivos como o capitalismo. Um sistema que não se fundamenta em cooperação e sim em competição é e sempre será excludente. E aqueles que defendem o capitalismo devem saber, sim, que o capitalismo é excludente e gera desigualdades. O capitalismo não é inclusivo e nem tem como sobreviver sem que haja a mais valia, que é uma consequência inevitável da existência propriedade privada. A resposta da aluna, apesar de não está errada do ponto de vista discursivo, foge à reflexão do aspecto excludente gerado pelo sistema capitalista que é citado na questão. Fora que o tema geral da prova e a disciplina a qual ela pertence não foram informados. O que foi informado apenas foi que os pais da aluna ficaram indignados. A mídia corporativa e a direita espalhafatosa da internet se apropriaram deste ocorrido para reforçar aos incautos que projetos escatológicos como o Escola Sem Partido precisam ser aprovados para salvar o Brasil do "comunismo" e do "marxismo cultural".
Se eu fosse professor, não colocaria essa questão numa prova – ou pelo menos não dessa maneira que foi colocada – justamente para evitar interpretações erradas. Acho que a questão foi tendenciosa pela escolha do texto, mas não pela reflexão que ela propõe. Não a enxerguei como sendo uma doutrinação marxista. E mesmo que fosse, esta é uma evidência muito isolada. Transformar exceções em regra não é uma jogada política honesta.

Eis o grande pesadelo dos reacionários

Este espetáculo sensacionalista sobre essa questão "comunista doutrinadora" da prova serve para mostrar duas coisas. A primeira é que os pais estão interferindo de forma inapropriada na educação da escola e contra os professores. Os alunos estão ficando burros com atitudes intervencionistas como esta. E a segunda coisa é que as pessoas não estão sabendo interpretar textos e nem estão dispostas a desenvolver senso crítico e empatia intelectual. O aluno precisa saber fazer autocrítica, precisa saber ouvir e precisa ter a oportunidade de amadurecer intelectualmente para o debate. Jamais teremos condições de ter um país onde possamos discutir de forma saudável sobre política se continuarmos a alimentar fanatismos no campo intelectual. Como citei na introdução deste post, ideias divergentes das nossas nos ajudam a amadurecer quando bem colocadas e embasadas. E isso precisa ser compreendido antes que ninguém mais escute ninguém e tenhamos rupturas democráticas em nome do fundamentalismo e da ignorância sobre política.


Política é debate, política é reflexão, política é empatia, política é saber ouvir, política é discordar do diferente sem desumanizá-lo, política é compreender que nós erramos e política é a preocupação com o bem estar da coletividade. Sabe por que ao invés de Escola Sem Partido ninguém defende uma Mídia Sem Partido? Porque é justamente a grande mídia corporativa que está querendo encerrar o debate político nas escolas para impor a sua lavagem cerebral impunemente. O debate político pode e deve ir além da escola. A função da escola é dar as ferramentas necessárias para que o aluno possa iniciar a sua formação política e social sem fanatismos e sem efeitos de manipulação que ocorrem fora da escola. A educação precisa ser crítica e libertadora de pensamentos repletos de senso comum.

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