sábado, 6 de agosto de 2016

Camila: O dilema onírico da humana que não existe


Hoje eu tive um sonho que pareceria surreal se fosse sonhado há uma ou duas décadas atrás. Esse sonho abordou nada menos que o nascimento do primeiro ser humano virtual – ser humano este que foi criado artificialmente e estava imerso em uma realidade simulada semelhante a Matrix para fins de estudo. Neste sonho, os cientistas, programadores e designers de um projeto de pesquisa pioneiro recriaram digitalmente em um supercomputador quântico o cérebro humano nos mínimos detalhes, simulando neurônio por neurônio, conexão por conexão, sinapse por sinapse, neurotransmissor por neurotransmissor. Em seguida, esse cérebro humano foi colocado em um organismo virtual com uma aparência perfeitamente humana, no caso, a aparência de uma criança do sexo feminino. Logo em seguida, foi criado todo um ambiente que simulava as leis da física e toda a realidade em volta da menina, com programas simulando seus país, seus parentes, sua casa, sua escola, seu trabalho, seu bairro, seus animais, seus amigos e seu mundo. Diferentemente das outras pessoas que eram simuladas por programas complexos, essa garota dotada de um cérebro idêntico ao nosso era diferente: ela era autoconsciente, capaz de aprender, de memorizar, de ensinar, de sonhar, de sentir emoções, prazer, dor, amor, empatia e tinha questões existenciais profundas como o medo da morte. A garota era um ser humano como todos nós, só que ao invés de ser feita de átomos, era feita de bits. Mas ela não tinha consciência disso. Ela não sabia que era virtual, que não era humana como nós, que não era de carne e osso e que seu universo se passava dentro de um programa de supercomputador. Mas ela se sentia perfeitamente humana. E a deram um nome: Camila.

Cortana da série Halo: um exemplo de humana virtual

Após vários anos vivendo sua vida normalmente dentro desta simulação, a garota virou adulta e começou a perceber que o seu universo não era perfeito. Havia imperfeições no mundo virtual, havia fenômenos estranhos (bugs), havia uma complexidade alta demais em tudo que via para ter surgido literalmente do nada e por acaso. Ela começou a crer que havia uma intenção por trás de tudo e virou religiosa, desenvolvendo a crença no espiritual e em vida após a morte.

Até que o fatídico dia chegou: os programadores e idealizadores do estudo receberam a notícia das instituições financeiras do projeto que o experimento seria abortado, cancelado por razões econômicas. Os financiadores não estavam convencidos que a tal mulher virtual era humana e declararam que o experimento de simular a mente humana foi um fracasso. Após anos e anos rodando a simulação e vendo a garota crescer, os programadores se recusaram a desligar a máquina (a matrix) porque estavam muito apegados a Camila e não queriam matá-la ao destruir o seu universo. Havia, portanto, uma questão ética aí. Se a mulher realmente fosse humana, não seria assassinato 'desligá-la'? Antes de tomar qualquer decisão, o chefe do projeto resolveu entrar dentro da simulação, na realidade virtual de Camila, para falar com ela e contar-lhe a verdade.

O chefe do projeto criou uma autoimagem virtual baseada em um avatar qualquer para parecer humano aos olhos da sua criação. Ele entrou no sistema, encontrou-se com Camila e a explicou tudo, mostrou tudo, provou que ela era uma criação humana, que tudo aquilo que ela viveu e viu era uma realidade virtual – mas ela não acreditou, não aceitou a verdade. Ela preferiu acreditar na realidade ilusória em que sempre viveu. Mas quando as provas tornaram-se irrefutáveis, ela sentiu a ficha cair. Ela se revoltou por toda a sua vida ter sido uma mentira, um experimento, uma simulação. Ela sentiu que perdeu o sentido da vida por ser uma cobaia, uma não-humana, uma coisa. Ela havia se tornado uma humana de Schrödinger. Ou será que ela realmente era tão humana quanto nós? Só sei que vi a Camila enlouquecer de revolta e tristeza. E foi justamente aí que o sonho acabou. Não sei o que resolveram fazer com ela e nem como acabou a sua história.

Depois que acordei desse sonho, fiquei pensando sobre a possibilidade de algo assim acontecer um dia. Ou pior ainda: se coisa parecida já não está acontecendo conosco. Em todo caso, do jeito que a tecnologia está avançando juntamente com a evolução da inteligência artificial, a criação de humanos virtuais pode ser uma questão de tempo. Esse sonho abordou uma questão ética que eu não havia parado para pensar antes. Se for realmente possível criar um humano virtual nos mínimos detalhes, isso não seria "brincar de Deus"? Será que não seria antiético ser responsável por todo sofrimento de uma pessoa que – além de não ter pedido para existir – vive dentro de uma vida simulada em um software? E se esse humano morrer ou for morto, o que acontecerá com ele? Será que ele teria alma? Enfim, é uma questão para se pensar. Se nunca houver esse dilema ético sobre esse assunto, pelo menos ele será um ótimo tema para um romance de ficção científica do futuro. Mas que esse sonho mexeu comigo, ah, mexeu!

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