sábado, 2 de setembro de 2017

Astrolábio Introspectivo


Em 2007 eu disputei um concurso de poesia na minha faculdade e não fui sequer citado entre as menções honrosas. Os poemas que venceram o concurso, com todo o respeito, foram bem fraquinhos. Não sei qual foi o critério de escolha dos jurados, só sei que eu mandei um poema para fritar o cérebro deles. O poema é todo feito em metáforas e parece sem sentido à primeira vista. Vejamos o poema e depois a sua "tradução":

ASTROLÁBIO INTROSPECTIVO
As traças benevolentes que o tempo não traduz
Escambavam-se, injustiçadas, por naufragadas âncoras vãs.
O putrefazer quiproquó das folhas maduras
Prolifera a finitude de adoráveis flores
Em letras falantes decorrentes da
Miraculosa prospecção ilegítima da glória,
Que lotam as bibliotecas da minha memória.

Estátuas mudas fazem barulho demais
Numa eloquência instigante do lirismo alheio.
Nobres e hereditárias crisálidas órfãs
Proliferam as partículas da primavera.
Consuma-se o ato da bondade
Sob uma eufônica canção de servos lavradores.

A idoneidade latifundiária do subalterno
Perfaz o solilóquio antiquado da fé.
Das profundezas da minh’alma
Vomito a jactância feérica duma quimera egocêntrica.
Atiro-me em mágoas fitando os cristais dilacerados
Que me feriram mais que mil palavras juntas.

Este poema deixou os jurados confusos com tanto surrealismo

Se ficou difícil de entender, a seguir segue a tradução:

ESPELHO DA ALMA
As traças que nos fazem bem
que não são percebidas com o passar do tempo
eram vistas, equivocadamente, como um objeto inútil.
A renovação do ciclo da matéria
mostra que tudo é perecível
assim como está nos livros que eu li
graças à minuciosa exploração da escrita
que adquiri através da leitura.

A arte dos outros
me influencia por sua beleza e perfeição.
A arte que eu começo a construir
começa a nascer dessa influência.
Quero que exista a bondade
na simplicidade de versos humildes.

A capacidade imensa de meu trabalho
é uma prova da minha fé.
De dentro da essência do meu ser
Lanço fora o orgulho deslumbrante da minha incoerência egoísta.
O que vi no espelho que quebrei, me fez chorar
porque ele me mostrou como eu realmente sou.

Entendeu agora?

Enfim, apesar de ter mandado a "tradução" juntamente com o poema para o concurso, parece que a bancada não deve ter compreendido a profundidade do poema, que tive que explicar posteriormente termo por termo:

"As traças benevolentes que o tempo não traduz"
As traças são conhecidas, simbolicamente, como destruidoras de tesouros terrestres. O tempo é que mostra a ação benéfica das traças, que destroem tudo aquilo que nos apega aos perecíveis tesouros materiais.

"Naufragadas âncoras vãs"
As âncoras servem para fixar o navio, pará-lo. "Vãs" está no sentido da ineficácia do seu propósito: parar o materialismo.

"Miraculosa prospecção ilegítima da glória"
A glória, aqui, refere-se à invenção da escrita, que foi evoluída e trabalhada ao longo da história. O termo "ilegítima" traduz a ideia de que a escrita não teve um inventor propriamente dito.

"Perfaz o solilóquio antiquado da fé"
A fé, ou crença, vem do dilema individual e pessoal, colocado aqui como "solilóquio". O termo "antiquado" mostra o quanto é antigo este dilema. O que nós acreditamos vem dessa discussão introspectiva de cada um.

"Cristais dilacerados que me feriram mais que mil palavras juntas"
Já dizia o ditado que uma imagem vale mais que mil palavras. Os cristais dilacerados são os cacos de vidro do espelho quebrado, com mágoa e inconformismo, após ver a verdade traduzida na imagem do espelho. A verdade incomoda e assombra, mas pode ser a nossa única redenção.

Sentido do poema
O grande significado dessa poesia está na descrição de um “eu” quase ambíguo diante de um espelho capaz de refletir a alma.
Abandono ao materialismo, busca pela paz através da arte, capacidade de se adaptar na vida, busca de forças na fé, egoísmo e decepção diante da ilusão do mundo real estão entre as verdades mostradas pelo espelho.

E depois dizem que poesia é coisa de gente que tem preguiça de escrever prosa... Pelo visto os jurados além de serem ruins em avaliar poesias, também tinham pouca noção de interpretação de texto. Vai entender...

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